A importância da classificação dos solos
A diversidade e a enorme diferença de comportamento apresentada pelos diversos solos perante as solicitações de interesse da engenharia levou ao seu natural agrupamento em conjuntos distintos, aos quais podem ser atribuídas algumas propriedades. Desta tendência racional de organização da experiência acumulada, surgiram os sistemas de classificação dos solos. Os objetivos da classificação dos solos, sob o ponto de vista de engenharia, é o de poder estimar o provável comportamento do solo ou, pelo menos, o de orientar o programa de investigação necessário para permitir a adequada análise de um problema.
É muito discutida a validade dos sistemas de classificação. De um lado, qualquer sistema cria grupos definidos por limites numéricos descontínuos, enquanto solos naturais apresentam características progressivamente variáveis. Pode ocorrer que solos com índices próximos aos limites se classifiquem em grupos distintos, embora possam ter comportamentos mais semelhantes do que de um mesmo grupo de classificação. A esta objeção, pode-se acrescentar que a classificação de um solo, baseada em parâmetros físicos por ele apresentados, jamais poderá ser uma informação mais completa do que os próprios parâmetros que o levam a ser classificados. Entretanto, a classificação é necessária para a transmissão de conhecimento. Mesmo aqueles que criticam os sistemas de classificação não têm outra maneira sucinta de relatar sua experiência, senão afirmado que, tendo aplicado um tipo de solução, obteve certo resultado, num determinado tipo de solo. Quando um tipo de solo é citado, é necessário que a designação seja entendida por todos, ou seja, é necessário que exista um sistema de classificação. Conforme apontado por Terzaghi, “um sistema de classificação sem índices numéricos para identificar os grupos é totalmente inútil”. Se, por exemplo, a expressão areia bem graduada compacta for empregada para descrever um solo, é importante que o significado de cada termo desta expressão possa ser entendida da mesma maneira por todos e, se possível, ter limites bem definidos.
Outra crítica aos sistemas de classificação advém do perigo de que técnicos menos experientes supervalorizem a informação,vindo a adotar parâmetros inadequados para os solos. Este perigo realmente existe e é preciso sempre enfatizar que os sistemas de classificação constituem-se num primeiro passo para a previsão do comportamento dos solos. São tantas as peculiaridades dos diversos solos que um sistema de classificação que permitisse um nível de conhecimento adequado para qualquer projeto teria de levar em conta uma grande quantidade de índices, deixando totalmente de ser aplicação prática. Entretanto, eles ajudam a organizar as idéias e a orientar os estudos e o planejamento das investigações para obtenção dos parâmetros mais importantes para cada projeto.
Existem diversas formas de classificar os solos, como pela sua origem, pela sua evolução, pela presença ou não de matéria orgânica, pela estrutura, pelo preenchimento dos vazios. Os sistemas baseados no tipo e no comportamento das partículas que constituem os solos são os mais conhecidos na engenharia de solos.
Os sistemas de classificação que se baseiam nas características dos grãos que constituem os solos têm como objetivo a definição de grupos que apresentam comportamentos semelhantes sob os aspectos de interesse da engenharia civil. Nestes sistemas, os índices empregados são geralmente a composição granulométrica e os índices de Attemberg. Estudaremos os dois sistemas mais empregados universalmente, para depois discutir suas vantagens e suas limitações.
Classificação Unificada
Este sistema de classificação foi elaborado originalmente pelo Prof. Casagrande para obras de aeroportos, tendo seu emprego sido generalizado. Atualmente, é utilizado principalmente pelos geotécnicos que trabalham em barragens de terra.
Neste sistema, todos os solos são identificados pelo conjunto de duas letras,como apresentados na Tabela 9.1. As cinco letras superiores indicam o tipo principal do solo e as quatro seguintes correspondem a dados complementares dos solos. Assim, SW corresponde a areia bem graduada e CH a argila de alta compressibilidade.
Tabela – Terminologia do Sistema Unificado
G pedregulho
S Areia M Silte C argila O solo orgânico
W bem graduado P mal graduado H alta compressibilidade L baixa compressibilidade
Pt Turfas
Para a classificação, por este sistema, o primeiro aspecto a considerar é a porcentagem de finos presente no solo, considerando-se finos o material que passa na peneira nº 200 (0,075 m). Se esta porcentagem for inferior a 50, o solo será considerado como solo de granulação grosseira, G ou S. Se for superior a 50, o solo será considerado de granulação fina, M, C ou O.
Solos granulares
Sendo de granulação grosseira, o solo será classificado como pedregulho ou areia, dependendo de qual destas duas frações granulométricas predominar. Por exemplo, se o solo tem 30% de pedregulho, 40% de areia e 30% de finos, ele será classificado como areia – S.
Identificado que um solo é areia ou pedregulho, importa conhecer sua característica secundária. Se o material tiver poucos finos, menos de que 5% passando na peneira nº 200, deve-se verificar como é a sua composição granulométrica. Os solos granulares podem ser “bem graduados” ou “mal graduados”. Nos solos mal graduados há predominância de partículas com um certo diâmetro, enquanto que nos solos bem graduados existem grãos ao longo de uma faixa de diâmetros bem mais extensa, como ilustrado na Figura 9.1.

Figura 9.1 – Granulometrias de areia bem graduada e mal graduada
A expressão “bem graduado” expressa o fato de que a existência de grãos com diversos diâmetros confere ao solo, em geral, melhor comportamento sob o ponto de vista de engenharia. As partículas menores ocupam os vazios correspondentes às maiores, criando um entrosamento, do qual resulta menor compressibilidade e maior resistência. Esta característica dos solos granulares é expressa pelo “coeficiente de não uniformidade”, definido pela relação:

onde “D60” é o diâmetro abaixo do qual se situam 60% em peso das partículas e, analogamente, “D10” é o diâmetro que, na curva granulométrica, corresponde porcentagem que passa igual a 10%. O “D10” é também referido como “diâmetro efetivo do solo” denominação que se origina da boa correlação entre ele e a permeabilidade dos solos, verificada experimentalmente.
Quanto maior o coeficiente de não uniformidade, mais bem graduada é a areia. Areias com CNU menor do que 2 são chamadas de areias uniformes.
Outro coeficiente, não tão empregado quanto o CNU, é o coeficiente de curvatura, definido como:

Se o coeficiente de não uniformidade indica a amplitude dos tamanhos de grãos, o coeficiente de curvatura detecta melhor o formato da curva granulométrica e permite identificar eventuais descontinuidades ou concentração muito elevada de grãos mais grossos no conjunto. Considera-se que o material é bem graduado quando o C está entre 1 e 3. Na Figura 9.2 estão representadas curvas de três areias com CNU = 6 e com diferentes C. Quando C é menor que 1, a curva tende a ser descontínua; há falta de grãos com um certo diâmetro. Quando C é maior que 3, a curva tende a ser muito uniforme na sua parte central. Ao contrário das duas outras, quando o C está entre 1 e 3, a curva granulométrica se desenvolve suavemente. É rara a ocorrência de areias com C fora do intervalo entre 1 e 3, razão pela qual este coeficiente é muitas vezes ignorado, mas é justamente para destacar os comportamentos peculiares acima apontados que ele é útil.



Figura 9.2 – Curvas granulométricas com diferentes coeficientes de curvatura
O Sistema Unificado considera que um pedregulho é bem graduado quando seu coeficiente de não uniformidade é superior a 4, e que uma areia é bem graduada quando seu CNU é superior a 6. Além disto, é necessário que o coeficiente de curvatura, C, esteja entre 1 e 3.
Quando o solo de granulação grosseira tem mais do que 12% de finos, a uniformidade da granulometria já não aparece como característica secundária, pois importa mais saber das propriedades destes finos. Então, os pedregulhos ou areias serão identificados secundariamente como argilosos (CG ou SG) ou siltosos (GM ou SM). O que determinará esta classificação será o posicionamento do ponto representativo dos índices de consistência na Carta de Plasticidade, conforme se verá adiante.
Quando o solo de graduação grosseira tem de 5 a 12% de finos, o Sistema recomenda que se apresentem as duas características secundárias, uniformidade de granulometria e propriedades dos finos. Assim, ter-se-ão classificações intermediárias, como, por exemplo, SP-SC, areia mal graduada, argilosa.
Solos de granulação fina (siltes e argilas)
Quando a fração fina do solo é predominante, ele será classificado como silte
(M), argila (C) ou solo orgânico (O), não em função da porcentagem das frações granulométricas silte ou argila, pois como foi visto anteriormente, o que determina o comportamento argiloso do solo não é só o teor de argila, mas também a sua atividade. São os índices de consistência que melhor indicam o comportamento argiloso.
Analisando os índices e o comportamento dos solos, Casagrande notou que colocando o IP do solo em função do L num gráfico, como apresentado na Figura 9.3, os solos de comportamento argiloso se faziam representar por um ponto acima de uma reta inclinada, denominada Linha A, solos orgânicos, ainda que argilosos, e solos siltosos são representados por pontos localizados abaixo da Linha A; que no seu trecho inicial, é substituía por uma faixa horizontal correspondente a IP de 4 a 7.

Figura 9.3 – Carta de Plasticidade 42
Para a classificação destes solos, basta a localização do ponto correspondente ao par de valores IP e L na Carta de Plasticidade. Os solos orgânicos se distinguem dos siltes pelo seu aspecto visual, pois se apresentam com uma coloração escura típica (marrom escura, cinza escuro ou preto).
Como característica complementar dos solos finos, é indicada sua compressibilidade. Como já visto, constatou-se que os solos costumam ser tanto mais compressíveis quanto maior seu Limite de Liquidez. Assim, o Sistema adjetiva secundariamente como de alta compressibilidade (H) ou de baixa compressibilidade (L) os solos M, C ou O, em função do L ser superior ou inferior a 50, respectivamente, como se mostra na Carta. Quando se trata de obter a característica secundária de areia e pedregulhos, este aspecto é desconsiderado.
Quando os índices indicam uma posição muito próxima às linhas A ou B (ou sobre a faixa de IP 4 e 7), é considerado um caso intermediário e as duas classificações são apresentadas. Exemplos: SC-SM, CL-CH, etc.
Embora a simbologia adotada só considere duas letras, correspondentes às características principal e secundária do solo, a descrição deverá ser a mais completa possível. Por exemplo, um solo SW pode ser descrito como areia (predominantemente) grossa e média, bem graduada, com grãos angulares, cinza.
O Sistema considera ainda a classificação de turfa (Pt), que são os solos muito orgânicos onde a presença de fibras vegetais em decomposição parcial é preponderante.
Tabela 9.2 – Esquema para classificação pelo Sistema Unificado

Sistema Rodoviário de Classificação
Este Sistema, muito empregado na engenharia rodoviária em todo o mundo, foi originalmente proposto nos Estados Unidos. E também baseado na granulometria e nos limites de Atterberg.
Neste Sistema, também se inicia a classificação pela constatação da porcentagem de material que passa na peneira nº 200, só que são considerados solos de graduação grosseira os que têm menos de 35% passando nesta peneira, e não 50% como na Classificação Unificada. Estes são os solos dos grupos A-1, A-2 e A-3. os solos com mais de 35% passando na peneira nº200 formam os grupos A-4, A-5, A-6 e A-7.
Os solos grossos são subdivididos em:
A-1a – Solos grossos, com menos de 50% passando na peneira nº 10 (2,0 m), menos de 30% passando na peneira nº 40 (0,42 m) e menos de 15%passando na peneira nº 200. O IP dos finos deve ser menor do que 6. Correspondem, aproximadamente, aos pedregulhos bem graduados, GW, do Sistema Unificado.
A-1b – Solos grossos, com menos de 50% passando pela peneira nº 40 e menos de 25% na peneira nº200, também com IP menor que 6. Corresponde à areia bem graduada, SW.
A –3 – Areias finas, com mais de 50% passando na peneira nº 40 e menos de 10% passando na peneira nº 200. São, portanto, areias finas mal graduadas, com IP nulo. Correspondem às SP.
A-2 – São areias em que os finos presentes constituem a característica secundária. São subdivididos em A-2-4, A-2-5, A-2-6 e A-2-7, em função dos índices de consistência, conforme o gráfico da Figura 9.4.

Figura 9.4 – Classificação dos solos finos no Sistema Rodoviário 4
Os solos finos, a exemplo do Sistema Unificado, são subdivididos só em função dos índices, de acordo com a Figura 9.4. O que distingue um solo A-4 de um solo A-2-4 é só a porcentagem de finos.
Tabela – Esquema para classificação pelo Sistema Rodoviário

Acompanhando-se a sistemática de classificação pelos dois sistemas expostos, verifica-se que eles são bastante semelhantes, já que consideram a predominância dos grãos graúdos ou miúdos, dão ênfase à curva granulométrica só no caso de solos graúdos com poucos finos e classificam os solos graúdos com razoável quantidade de finos, e os próprios solos finos com base exclusivamente nos índices de Attemberg. O exercício de acompanhar as sistemáticas de classificação é útil na medida em que familiariza o estudante com os aspectos mais importantes na identificação dos solos.