Identificação dos solos por meio de ensaios


Para identificação dos solos a partir das partículas que os constituem, são empregados correntemente dois tipos de ensaios, a análise granulométrica e os índices de consistência.

Analise granulométrica

Num solo, geralmente convivem partículas de tamanhos diversos. Nem sempre é fácil identificar as partículas porque grãos de areia, por exemplo, podem estar envoltos por uma grande quantidade de partículas argilosas, finíssimas, apresentando o mesmo aspecto de uma aglomeração formada exclusivamente por estas partículas argilosas. Quando secas, as duas formações são dificilmente diferenciáveis. Quando úmidas, entretanto, a aglomeração de partículas argilosas se transforma em uma pasta fina, enquanto que a partícula arenosa revestida é facilmente reconhecida pelo tato. Portanto, numa tentativa de identificação tátil-visual dos grãos de um solo, é fundamental que ele se encontre bastante úmido.


Figura – Exemplo de curva de distribuição granulométrica do solo

Para o reconhecimento do tamanho dos grãos de um solo, realiza-se a análise granulométrica, que consiste, em geral, de duas fases: peneiramento e sedimentação. O peso do material que passa em cada peneira, referido ao peso seco da amostra, é considerado como a “porcentagem que passa”, e representado graficamente em função da abertura da peneira, esta em escala logarítmica, como se mostra na Figura 3.1. A abertura nominal da peneira é considerada como o “diâmetro” das partículas. Trata-se, evidentemente, de um “diâmetro equivalente”, pois as partículas não são esféricas.

A análise por peneiramento tem como limitação a abertura da malha das peneiras, que não pode ser tão pequena quanto o diâmetro de interesse. A menor peneira costumeiramente empregada é a de nº 200, cuja abertura é de 0,075 m. Existem peneiras mais finas para estudos especiais, mais são pouco resistentes e por isso não são usadas rotineiramente. Mesmo estas, por sinal, têm aberturas muito maiores do que as dimensões das partículas mais finas do solo.

Quando há interesse no conhecimento da distribuição granulométrica da porção mais fina dos solos, emprega-se a técnica da sedimentação, que se baseia na Lei de Stokes: a velocidade de queda de partículas esféricas num fluído atinge um valor limite que depende do peso específico do material da esfera, do peso específico do fluído, da viscosidade do fluído, e do diâmetro da esfera.

Colocando-se uma certa quantidade de solo (uns 60g) em suspensão em água (cerca de um litro), as partículas cairão com velocidades proporcionais ao quadrado de seus diâmetros. Considere-se a Figura 3.2, na qual, à esquerda do frasco, estão indicados grãos com quatro diâmetros diferentes igualmente representados ao longo da altura, o que corresponde ao início do ensaio. À direita do frasco, está representada a situação depois de decorrido um certo tempo. No instante em que a suspensão é colocada em repouso, a sua densidade é igual ao longo de toda a profundidade. Quando as partículas maiores caem, a densidade na parte superior do frasco diminui. Numa profundidade qualquer, em um certo momento, a relação entre a densidade existente e a densidade inicial indica a porcentagem de grãos com diâmetro inferior ao determinado pela Lei de Stokes.

As densidades de suspensão são determinadas com um densímetro, que também indica a profundidade correspondente. Diversas leituras do densímetro, em diversos intervalos de tempo, determinarão igual número de pontos na curva granulométrica, como se mostra na Figura 3.1, complementando a parte da curva obtida por peneiramento. Novamente, neste caso, o que se determina é um diâmetro equivalente, pois as partículas não são as esferas às quais se refere a Lei de Stokes. Diâmetro equivalente da partícula é o diâmetro da esfera que sedimenta com velocidade igual à da partícula.

Deve-se frisar, que uma das operações mais importantes é a separação de todas as partículas, de forma que elas possam sedimentar isoladamente. Na situação natural, é freqüente que as partículas estejam agregadas ou floculadas. Se estas aglomerações não forem destruídas, determinar-se-ão os diâmetros dos flocos e não os das partículas isoladas. Para esta desagregação, adiciona-se um produto químico, com ação defloculante, deixa-se a amostra imersa em água por 24 horas e provoca-se uma agitação mecânica padronizada. Mesmo quando se realiza só o ensaio de peneiramento, esta preparação da amostra é necessária (destorroamento), pois, se não for feita, ficarão retidas nas peneiras agregações de partículas muito mais finas.

Para diversas faixas de tamanho de grãos, existem denominações específicas, como definidas na Tabela 1.1 (item 1.2.4). Conhecida a distribuição granulométrica do solo, como na Figura 3.1, pode-se determinar a porcentagem correspondente a cada uma das frações acima especificadas. A figura 3.3 apresenta exemplos de curvas granulométricas de alguns solos brasileiros.


Figura – Curvas granulométricas de alguns solos brasileiros

Deve-se notar que as mesmas designações usadas para expressar as frações granulométricas de um solo são empregadas para denominar os próprios solos. Diz-se, por exemplo, que um solo é uma argila quando o seu comportamento é o de um solo argiloso, ainda que contenha partículas com diâmetros correspondentes às frações silte e areia. Da mesma forma, uma areia é um solo cujo comportamento é ditado pelos grãos arenosos que ele possui, embora partículas de outras frações possam estar presentes.

No caso de argilas, um terceiro sentido pode estar sendo empregado: os “minerais-argila”, uma família de minerais cujo arranjo de átomos foi descrito no item 1.2.5. Estes minerais se apresentam geralmente em formato de placas e em tamanhos reduzidos, predominantemente, mas não exclusivamente correspondentes à fração argila. São estes minerais que conferem a plasticidade característica aos solos argilosos.

Índices de consistência (Limites de Atterberg)

Só a distribuição granulométrica não caracteriza bem o comportamento dos solos sob o ponto de vista da engenharia. A fração fina dos solos tem uma importância muito grande neste comportamento. Quanto menores as partículas, maior a superfície específica (superfície das partículas dividida por seu peso ou por seu volume). Um cubo com 1 cm de aresta tem 6 cm² de área e volume de 1 cm³. Um conjunto de cubos com 0,05 m (siltes) apresentam 125 cm² por cm³ de volume. Já certos tipos de argilas chegam a apresentar 300 m² de área por cm³ (1 cm³ é suficiente para cobrir uma sala de aula!).

O comportamento de partículas com superfícies específicas tão distintas perante a água é muito diferenciado. Por outro lado, as partículas de minerais-argila diferem acentuadamente pela estrutura mineralógica, bem como pelos cátions adsorvidos, como visto nos itens 1.2.5 e 1.3. Desta forma, para a mesma porcentagem de fração argila, o solo pode ter comportamento muito diferente, dependendo das características dos minerais presentes.

Todos estes fatores interferem no comportamento do solo, mas o estudo dos minerais-argila é muito complexo. À procura de uma forma mais prática de identificar a influência das partículas argilosas, a engenharia a substituiu por uma análise indireta, baseada no comportamento do solo na presença de água. Generalizou-se, para isto, o emprego de ensaios e índices propostos pelo engenheiro químico Attemberg, pesquisador do comportamento dos solos sob o aspecto agronômico, adaptados e padronizados pelo professor de Mecânica dos Solos, Arthur Casagrande.

Os limites se baseiam na constatação de que um solo argiloso ocorre com aspectos bem distintos conforme o seu teor de umidade. Quando muito úmido, ele se comporta como um líquido; quando perde parte de sua água, fica plástico; e quando mais seco, torna-se quebradiço. Este fato é bem ilustrado pelo comportamento do mineral transportado e depositado por rio ou córrego que transborda invadindo as ruas da cidade. Logo que o rio retorna ao seu leito, o barro resultante se comporta como um líquido: quando um automóvel passa, o barro é espirrado lateralmente. No dia seguinte, tendo evaporado parte da água, os veículos deixam moldado o desenho de seus pneus no material plástico em que se transformou o barro. Secando um pouco mais, os pneus dos veículos já não penetram no solo depositado, mas sua passagem provoca o desprendimento de pó.

Os teores de umidade correspondentes às mudanças de estado, como se mostra na Figura 3.4, são definidos como: Limite de Liquidez (L) e limite de Plasticidade (LP) dos solos. A diferença entre estes dois limites, que indica a faixa de valores em que o solo se apresenta plástico, é definida como o índice de Plasticidade (IP) do solo. Em condições normais, só são apresentados os valores do L e do IP como índices de consistência dos solos. O LP só é empregado para a determinação do IP.


Figura – Limites de Atterberg dos solos

O Limite de Liquidez é definido como o teor de umidade do solo com o qual uma ranhura nele feita requer 25 golpes para se fechar numa concha, como ilustrado na Figura 3.5.


Figura – Esquema do aparelho de Casagrande para determinação do L

Diversas tentativas são realizadas, com o solo em diferentes umidades, anotando-se o número de golpes para fechar a ranhura, obtendo-se o limite pela interpolação dos resultados. O procedimento de ensaio é padronizado no Brasil pela ABNT (Método NBR 6459).

O Limite de Plasticidade é definido como o menor teor de umidade com o qual se consegue moldar um cilindro com 3 m de diâmetro, rolando-se o solo com a palma da mão. O procedimento é padronizado no Brasil pelo Método NBR 7180.

Deve ser notado que a passagem de um estado para outro ocorre de forma gradual, com a variação da umidade. A definição dos limites acima descrita é arbitrária. Isto não diminui seu valor, pois os resultados são índices comparativos. A padronização dos ensaios é que é importante, sendo, de fato, praticamente universal. Na Tabela 3.1, são apresentados resultados típicos de alguns solos brasileiros.

Tabela – Índices de Atterberg de alguns solos brasileiros

Solos L% IP%

Residuais de arenito (arenosos finos) 29 - 4 1 - 20 Residual de gnaisse 45 – 5 20 –25 Residual de basalto 45 – 70 20 –30 Residual de granito 45 – 5 14 – 18 Argilas orgânicas de várzeas quaternárias 70 30 Argilas orgânicas de baixadas litorâneas 120 80 Argila porosa vermelha de São Paulo 65 a 85 25 a 40 Argilas variegadas de São Paulo 40 a 80 15 a 45 Areias argilosas variegadas de São Paulo 20 a 40 5 a 15 Argilas duras, cinzas, de São Paulo 64 42

Atividade das Argilas

Os Índices de Attemberg indicam a influência dos finos argilosos no comportamento do solo. Certos solos com teores elevados de argila podem apresentar índices mais baixos do que aqueles com pequenos teores de argila. Isso pode ocorrer porque a composição mineralógica dos argilo-minerais é bastante variável. Pequenos teores de argila e altos índices de consistência indicam que a argila á muito ativa.

Mas os índices determinados são também função da areia presente. Solos de mesma procedência, com o mesmo mineral-argila, mas com diferentes teores de areia, apresentarão índices diferentes, tanto maiores quanto maior teor de argila, numa razão aproximadamente constante. Quando se quer ter uma idéia sobre a atividade da fração argila, os índices devem ser comparados com a fração argila presente. É isto que mostra o índice de atividade de uma argila, definido na relação:

índice de plasticidade (IP)Índice de Atividade = fração argila (menor que 0,002 m)

A argila presente num solo é considerada normal quando seu índice de atividade se situa entre 0,75 e 1,25. Quando o índice é menor que 0,75, considera-se a argila como inativa e, quando o índice é maior que 1,25, ela é considerada ativa.

Emprego dos índices de consistência

Os índices de consistência têm se mostrado muito úteis para a identificação dos solos e suas classificações. Desta forma, com o seu conhecimento, pode-se prever muito do comportamento do solo, sob o ponto de vista da engenharia, com base em experiência anterior. Uma primeira correlação foi apresentada por Terzaghi, resultante de observação de que os solos são tanto masis compressíveis (sujeitos a recalques) quanto maior for o seu L. Tendo-se a compressibilidade expressa pelo índice de compressão (Cc), estabeleceu-se a seguinte correlação:

De maneira análoga, diversas correlações empíricas vêm sendo apresentadas, muitas vezes com uso restrito para solos de uma mesma determinada região ou de uma certa formação geológica.

Deve ser notado que os Índices de Attemberg são uma indicação do tipo de partículas existentes no solo. Desta forma, eles representam bem os solos em que as partículas ocorrem isoladamente, como é o caso dos solos transportados.

Solos saprolíticos apresentam significativa influência da estrutura da rocha mater.

Solos lateríticos, por sua vez, apresentam aglomeração de partículas envoltas por deposições de sais de ferro ou alumínio. Os ensaios de limites são feitos com a amostra previamente seca ao ar e destorroada e amassada energicamente com uma espátula durante a incorporação de água. Tais procedimentos alteram a estrutura original do solo. Desta maneira, é de se esperar que as correlações estabelecidas com base em comportamento de solos transportados não se apliquem adequadamente a solos saprolíticos e lateríticos, que ocorrem em regiões tropicais. Correlações específicas a estes solos devem ser estabelecidas.